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Dhul-Qarnain: Alexandre, o Grande está no Alcorão?

Veja história de Dhul-Qarnain, uma figura comparada a Alexandre, conhecida por jornadas épicas e a construção de uma barreira contra Gog e Magog.
  • Descrito no Alcorão, Dhul-Qarnain é associado a figuras como Alexandre, o Grande, devido a semelhanças em suas jornadas e conquistas.
  • Dhul-Qarnain realizou três viagens importantes e construindo uma barreira contra as tribos de Gog e Magog, destacando sua liderança e proteção.
  • As histórias de Dhul-Qarnain ecoam o "Romance de Alexandre" e refletem arquétipos semelhantes aos de outros personagens históricos e mitologias.
  • Isso motiva especulações se Dhul-Qarnain era de fato Alexandre, ou algum outro monarca da Pérsia ou Iêmen.

 

Dhul-Qarnain é uma figura mencionada no Alcorão. Seu nome significa "o de duas épocas" ou "o de dois chifres". 

A visão predominante é que Dhul-Qarnain não é considerado um profeta no sentido tradicional utilizado para figuras como Moisés, Jesus ou Muhammad, que tiveram missões claras de revelação. 

Ele é mais frequentemente visto como um líder justo que recebeu apoio divino para suas missões, um exemplo de virtude e liderança, mas sem o mandato explícito de transmitir uma mensagem profética.

A identidade exata de Dhul-Qarnain tem sido tema de diversas interpretações e especulações entre estudiosos e dentro da tradição islâmica. 

Alguns o associam com figuras históricas como Alexandre, o Grande, devido às suas conquistas e explorações vastas que se assemelham às viagens descritas no Alcorão.

No Alcorão, Dhul-Qarnain é retratado como um governante poderoso que viaja para os extremos do mundo. 

Durante suas viagens, ele constrói uma grande barreira para proteger as pessoas das tribos de Gog e Magog, que são descritas como criaturas humanas desordeiras e destrutivas. 

Embora a história de Dhul-Qarnain seja aberta a várias interpretações, ela continua sendo uma figura significativa na escatologia islâmica.

A História de Dhul-Qarnain no Alcorão

Dhul-Qarnain é uma figura enigmática mencionada no Alcorão, especificamente no capítulo 18, conhecido como Surata Al-Kahf. Sua história é contada para ilustrar suas jornadas e a sabedoria com a qual ele governou.

Primeira Jornada: O Ocidente

A narrativa de Dhul-Qarnain começa com sua viagem para o oeste, onde ele alcança o local do pôr do sol, descrito no Alcorão como um lugar onde o sol se põe em uma fonte lamacenta ou escura. 

O Alcorão relata: 

"Até que, quando alcançou o poente do sol, achou-o que se punha numa fonte lamacenta, e junto dela encontrou um povo. Dissemos: Ó Dhul-Qarnain, ou os castigas, ou usas com eles de benevolência." (Alcorão 18:86).

Segunda Jornada: O Oriente

Em seguida, Dhul-Qarnain viaja para o leste, onde encontra o nascer do sol e um povo para quem Deus não havia dado proteção contra o sol. 

O Alcorão descreve: 

"Logo, prosseguiu seu caminho, até que, ao alcançar o nascer do sol, viu-o nascer sobre um povo, para o qual não tínhamos provido outra cobertura que não aquela." (Alcorão 18:90).

Terceira Jornada: Entre Duas Montanhas

Na terceira parte de suas viagens, Dhul-Qarnain chega a uma região entre duas montanhas, onde encontra pessoas que mal compreendiam a fala. 

Essas pessoas solicitam sua ajuda para construir uma barreira que os protegesse de Gog e Magog, criaturas corruptas que causavam devastação. 

Dhul-Qarnain responde: 

"Trazei-me blocos de ferro." Até que, quando encheu o espaço entre as duas montanhas, disse: "Soprai!" Até que, quando o fez brasa, disse: "Trazei-me cobre derretido, para que eu o derrame sobre ele." Assim, Gog e Magog não puderam escalá-lo, nem puderam perfurá-lo." (Alcorão 18:96-97).

A narrativa conclui com Dhul-Qarnain refletindo sobre o poder de Deus e a natureza temporária de todas as conquistas humanas, afirmando que quando chegar a promessa de Deus, Ele reduzirá a barreira a pó, e a promessa de Deus é verdadeira (Alcorão 18:98).

Os mitos de Alexandre, o Grande

Alexandre cultivava ativamente uma persona mítica ao reivindicar descendência de Zeus-Ammon, explorando oráculos e enfatizando suas habilidades extraordinárias. 

Ele buscava aparecer não apenas como um rei, mas como alguém tocado pelo divino com um destino especial.

Até mesmo historiadores iniciais, como Calístenes, escrevendo sob o patrocínio de Alexandre, glorificaram seus feitos, borrando as linhas entre relatos históricos e narrativas míticas.

Nos séculos após a morte de Alexandre, tradições orais e relatos escritos dispersos de sua vida começaram a se fundir e se tornar mais fantásticos.

Isso culminou no "Romance de Alexandre", uma coleção épica e extremamente imaginativa de histórias focadas em conquistas fantásticas e encontros com seres lendários, composto no século III. Isso solidificou Alexandre como um herói mítico.

Traduzido em inúmeras línguas, o Romance de Alexandre se espalhou pela Europa e Ásia, pintando-o não apenas como um conquistador, mas como uma figura que incorpora bravura, ambição e a busca pelo conhecimento.

As lendas de Alexandre causam um grande impacto nas comunidades do Oriente Médio, incluindo judeus e cristãos.

A versão siríaca do romance incorpora elementos cristãos, como profecias e alusões bíblicas, que não são proeminentes nas versões grega ou latina. 

Isso inclui interpretações de Alexandre como um instrumento de Deus para a realização de propósitos divinos, por exemplo, punindo os ímpios e espalhando a ordem divina.

Um aspecto significativo da Lenda Siríaca é a narrativa relacionada à construção de um grande muro por Alexandre para repelir as tribos de Gog e Magog, uma história também encontrada na Bíblia e posteriormente em textos islâmicos sobre Dhul-Qarnain.

Semelhanças e diferenças entre Dhul-Qarnain e Alexandre o Grande

Viagens e Construção de Império 

Ambas as figuras são conhecidas por suas extensas expedições por vastas distâncias, conquistando terras e povos pelo caminho. Isso se conecta a um arquétipo muito replicado em outros épicos: a busca heróica.

As viagens de Dhul-Qarnain mostram-no percorrendo o mundo para defender a justiça, guiado divinamente. 

As jornadas de Alexandre, pelo menos no mito, são mais sobre ambição pessoal e curiosidade insaciável, mesmo que retratadas como a disseminação da civilização.

O Símbolo dos Chifres

O epíteto "O Bicorne" para Dhul-Qarnain é muitas vezes associado a imagens de Alexandre usando um capacete com chifres de carneiro, um símbolo de seu poder e conexão com a divindade.

O título "bicorne" não é definitivamente explicado no Alcorão. Interpretações potenciais vão além do sentido literal.

Os chifres poderiam representar força, seu domínio se estendendo para leste e oeste, ou soberania sobre diferentes povos.

Alguns alegam que Dhul-Qarnain quer dizer "duas épocas", ou seja, aquele que impactaria duas épocas diferentes, sendo que a primeira era em seu tempo e a segunda quando os portões de Gog e Magog se rompessem.

Considerando esta segunda hipótese, Dhul-Qarnain poderia até mesmo ser uma figura sem qualquer chifre ou característica similar. 

Já em Alexandre, este simbolismo estava principalmente relacionado à sua alegada descendência da divindade Zeus-Ammon e ao seu favor.

Barreira Contra Gog e Magog

Este aspecto da história de Dhul-Qarnain se assemelha a algumas versões do Romance de Alexandre, nas quais ele constrói um portão nas Montanhas do Cáucaso para impedir tribos destrutivas.

No Alcorão, Gog e Magog assumem uma dimensão apocalíptica, sendo sua libertação um sinal do fim dos tempos. Isso ressoa com a escatologia islâmica. 

Os mitos de Alexandre não têm essa significância religiosa específica.

Considerações sobre as semelhanças entre Dhul-Qarnain e Alexandre

Muitos eruditos islâmicos consideraram que Dhul-Qarnain pode de fato ter sido Alexandre, o Grande.

Alguns acreditam que Dhul-Qarnain assumiu o controle dos estados romano, marroquino e egípcio após a morte de seu pai, construiu a cidade de Alexandria, e mais tarde assumiu o controle de Sham e Jerusalém, depois foi de lá para a “Armênia ”.

Ele conquistou o Iraque e a Pérsia, e depois rumou para a Índia e a China, e de lá retornou para Coração, região histórica que compreende o atual Turcomenistão, Uzbequistão, Afeganistão, Tadjiquistão e parte do Irã.

Após construir muitas cidades, foi para o Iraque e adoeceu na cidade de “Zur”, onde faleceu. Esta interpretação de Al-Fakhr Al-Razi, e Al-Kamil por Ibn Al-Athir .

Mas o primeiro a formular este pensamento foi Ibn Sina no seu livro “Al-Shifa”, que ainda reforça que ele era um seguidor de Aristóteles.

Já o estudioso al-Jahiz disse que Dhul-Qarnain era Alexandre, que destruiu Dara, isto é Dario, o monarca persa.

Ibn Kathir, um famoso comentarista do Alcorão que viu semelhanças de Gog e Magog, encontrados por Dhul-Qarnain, ao povo Khazar.

Isso se deve ao fato que, na literatura romântica cristã de Alexandre, Gog e Magog eram por vezes associados aos khazares, um povo turco que vivia perto do Mar Cáspio.

Se esta hipótese for verdadeira, pode-se concluir que mesmo que Alexandre fosse um politeísta, encontrou favor de Allah pela forma justa que lidava com os povos que conquistou.

Um relato de Flávio Josefo, historiador judeu da era pré-islâmica, pode fornecer pistas sobre esta providência divina. 

Isso porque, apesar de Alexandre ser um politeísta, nunca perseguiu os israelitas pela adoração ao Deus único. Ao contrário, em um de seus poucos contatos com o monoteísmo, ele lidou de forma respeitosa com Deus e os ritos que Ele estabeleceu.

Durante sua passagem por Jerusalém, em 332 a.c, Alexandre reverenciou a Deus, pois teve um sonho no qual foi dito que ele teria a vitória contra os persas. 

Então ele deu a mão ao sumo sacerdote de Jerusalém, e os dois fizeram sacrifícios a Deus conforme havia sido prescrito aos israelitas em suas escrituras.

As semelhanças entre Dhul-Qarnain e os mitos de Alexandre, no entanto, não esgotam as hipóteses acerca desta figura e nem são definitivas para dizer quem foi a figura histórica relatada no Alcorão.

Semelhança entre os mitos de Alexandre e outras histórias

Embora seja muito comum as comparações entre Alexandre e Dhul-Qarnain, este tipo de aventura épica e os arquétipos que elas compartilham são coisas comuns.

A ideia de viajar longas distâncias, ou até mesmo por todo mundo conhecido, aparece em épicos como os de Hércules, Odisséia e na Epopéia de Gilgamesh.

Na antiga mitologia grega, Zeus enviou Poseidon e Apolo para servir ao governante Laomedon como punição por uma conspiração que os dois cometeram contra Zeus. 

Os dois heróis construíram muros ao redor de Tróia, mas Laomedon se recusou a pagá-los, levando a uma peste e a um monstro marinho atacando a cidade.

Já nas lendas de Gilgamesh, o grande rei sumério construiu as poderosas muralhas da cidade de Uruk.

Até mesmo o paralelo dos chifres pode ser encontrado na história de Gilgamesh, em Enkidu, que era uma criatura idêntica a Gilgamesh em porte e força, embora ele fosse uma antítese do rei.

Enquanto Gilgamesh representava as forças do reino da cidade, Enkidu representava as forças da natureza, e por isso tinha um par de chifres em sua cabeça, representando uma espécie de polo oposto de Gilgamesh.

Além dessas similaridades dos mitos de Alexandre com outras lendas, sobretudo a Epopéia de Gilgamesh, há outro relato em comum que não é mencionado na história de Dhul-Qarnain.

Tanto Gilgamesh quanto Alexandre vão atrás de uma fonte de água com uma espécie de poder milagroso. 

No primeiro, o rei sumério busca pelas Águas da Vida para se tornar imortal, enquanto Alexandre vai atrás das Fontes de Água da Vida, associada a uma pia batismal cristã.

Contudo, não significa necessariamente que os contos de Alexandre são cópias de mitos antigos, e também não quer dizer que eles diziam respeito ao Alexandre histórico.

São arquétipos mitológicos comuns em romances que pretendem traduzir algum aspecto da natureza e da experiência humana através de uma estória ou relato.

Os mitos antigos, em geral, derivam de uma extensa tradição oral, que possui influências de outras histórias, lendas e arquétipos construídos de forma orgânica.

Quando o Alcorão menciona Dhul-Qarnain, não pretende se ligar á figura lendária dos mitos, mas à personalidade histórica responsável por viagens épicas e pela construção das muralhas que impediram o avanço de Gog e Magog.

Dhul-Qarnain é Alexandre o Grande?

Ainda que a história de Dhul-Qarnain contenha semelhanças com os mitos de Alexandre possui detalhes que não são compatíveis com esta figura histórica.

Isso pode ser amparado pela ciência moderna, afinal, a muralha construída nos mitos é uma referência aos portões de Alexandre, nome dado a uma série de muralhas construídas entre o norte do Cáucaso e o mar Cáspio.

Hoje, graças às descobertas históricas, sabemos que nenhuma dessas construções foram de fato erguidas por Alexandre ou pelos gregos, mas sim pelos persas sassânidas e partas.

As fortificações também conhecidas como Portões do Cáspio são: Desfiladeiro de Darial, Derbent, Rhagae e Muralha de Gorgan.

Isso seria, em partes, convergente com a perspetiva dos intelectuais indianos Sayyid Ahmad Khan e Abul Kalam Muhiyuddin, que  acreditava que Dhul-Qarnain era Ciro o Grande, um importante monarca aquemênida.

Ciro II é citado na Bíblia como uma figura piedosa que salva os israelitas do cativeiro na Babilônia.

Como base para este argumento, é citada a visão de Daniel mencionada na Bíblia (Daniel 8:20) em que ele vê um carneiro com dois chifres que representava os reis da Média e da Pérsia.

Considerando esses dados históricos, Dhul-Qarnain poderia ser um governante persa e, a exemplo de Ciro II, alguém muito piedoso e exaltado por Deus no Alcorão, o que daria ao Alcorão mais um paralelo com narrativas bíblicas.

Ao longo da história, alguns estudiosos islâmicos mencionaram o fato que "Dhul" era um título dado aos antigos membros da realeza iemenita.

O sábio al-Razi foi mais longe nessa constatação, e disse que além dele ser um governante árabe, seu nome real era Abu Karb Shams ibn Abir al-Himyari

Neste caso, as muralhas que ele construiu poderia ter sido erguida no próprio Iêmen, como exemplo da barragem de Marib.

Na poesia himiarita, antiga região que hoje pertence ao Iêmen, havia um sentimento de orgulho devido ao fato de Dhul-Qarnain ter o sangue deste povo.

Porém, embora essas sejam as evidências mais claras, elas não são conclusivas, afinal, não há no Alcorão ou nos hadiths algo que nos permita definir quem de fato é esta figura.

Conclusão

Dhul-Qarnain é uma figura enigmática mencionada no Alcorão que tem sido objeto de diversas interpretações e especulações.

 Ele é conhecido como "o de duas épocas" ou "o de dois chifres", com interpretações variando sobre o que exatamente esses títulos simbolizam — desde o domínio de vastas regiões até influências em diferentes eras.

A narrativa do Alcorão descreve suas três viagens monumentais, culminando na construção de uma barreira para proteger contra as tribos de Gog e Magog, ressaltando seu papel como um líder justo e poderoso que emprega a orientação divina para governar.

Embora alguns estudiosos e tradições o comparem a Alexandre, o Grande, devido às semelhanças nas descrições de suas jornadas e conquistas, Dhul-Qarnain é frequentemente visto dentro do contexto islâmico como um exemplo de virtude e liderança, e não necessariamente um profeta. 

Alexandre, por outro lado, é retratado em múltiplas culturas como um personagem lendário que além de suas conquistas históricas, é envolto em mitos que o colocam em busca de elementos divinos e realizações místicas, tal como descrito no "Romance de Alexandre".

Ambos compartilham o arquétipo do herói que viaja por territórios vastos e enfrenta desafios sobrenaturais, mas enquanto Alexandre é frequentemente visto como uma figura de conquista e ambição pessoal, Dhul-Qarnain é apresentado como um guardião da ordem divina, protegendo a humanidade contra o mal. 

As tentativas de associá-lo diretamente a figuras históricas como Ciro, o Grande, ou a membros da realeza iemenita como Abu Karb Shams são intrigantes, mas não conclusivas, refletindo a complexa tapeçaria de tradições orais e interpretações religiosas que enriquecem o estudo dos textos sagrados.

Referências

-Is Dhul Qarnayn, Alexander the Great? Reflecting on Muhammad Rāghib al-Ṭabbākh’s contribution on a translated manuscript discovered in Timbuktu on Dul Qarnayn. SUKDAVEN, Maniraj; AHMAD, Shoayb, 2017.

-ALEXANDER THE GREAT. BROYDÉ, Isaac; KOHLER, Kaufmann; LÉVI, Israel. Disponível em: https://jewishencyclopedia.com/articles/1120-alexander-the-great

-Quran Stories: The Story Of Dhul-Qarnayn. ALMUSAWI, Sayyid Abdullah, 2023. Disponível em: https://islam4u.pro/blog/quran-stories-the-story-of-dhul-qarnayn/

-Revivendo o Império Persa: nacionalismo, modernização e discurso histórico em Mohammad Reza Pahlavi (1960-1967) / Felipe Ramos de Carvalho Pinto – Guarulhos, 2018.

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