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As minissaias afegãs que justificam massacres contra muçulmanos

Afirmar que o Islam é um inimigo da liberdade é uma forma de desumanizar os muçulmanos e atacar países islâmicos, uma estratégia usada há anos.
  • A "guerra cultural" entre Ocidente e Oriente é frequentemente usada para legitimar intervenções militares no mundo islâmico, levando a graves consequências humanitárias.
  • Essas ações ocidentais, embora afirmem proteger liberdades individuais, acabam por violar a soberania dos países e comprometer a integridade dos povos atingidos.
  • O Islam possui uma vasta moral que suporta interpretações variadas, que podem se alinhar tanto a visões progressistas quanto conservadoras, contradizendo estereótipos.
  • A estigmatização do Islam como extremista sustenta políticas ocidentais de dominação e justifica atos de violência, perpetuando injustiças e conflitos internacionais.

Entre o século 20 e 21, surgiu uma narrativa de "guerra cultural" entre um ocidente livre e democrático, e um oriente ditatorial, fanático e religioso.

No cenário internacional, potências ocidentais têm frequentemente empregado o argumento da defesa das liberdades individuais como justificativa para intervenções em países islâmicos. 

Essas ações, que incluem desde operações militares até apoio a movimentos insurrecionais, frequentemente culminam em graves catástrofes humanitárias. 

Isso se repetiu diversas vezes: no Irã, Afeganistão, Iraque, Palestina, Síria, Líbano, entre outros.

Este argumento extrapolou as situações de guerra, e atualmente é utilizado para justificar qualquer ofensiva ou medida contra populações islâmicas no mundo inteiro.

Diante dessa realidade, surge um questionamento crucial: a promoção das liberdades individuais pode justificar a violação da soberania nacional e da integridade física dos povos dessas nações?

Este artigo explora as complexidades e consequências dessas intervenções, abrindo um debate essencial sobre os limites e o custo humano das políticas externas das grandes potências.

A invenção do mito do Islam como um inimigo da liberdade

O Islam é uma religião com um grande arcabouço moral para diferentes ocasiões e situações e pode, em grande medida, ser convergente com as sociedades ocidentais.

É possível se debruçar sobre os preceitos islâmicos com o objetivo de extrair uma prática progressista, como defendidas pelo reformista Tariq Ramadan, as feministas Amina Wadud e Linda Sarsour, ou o liberal Mustafa Kayol.

Mas também é possível se debruçar sobre a tradição para obter juízos tradicionalistas, como é o caso dos intelectuais Hassan al- Banna, Maulana Maududi, e fundamentalistas como Said Qutb e Muhammad ibn Abdul Wahhab.

Nenhuma dessas interpretações é em si mesmo correta ou errada, tudo precisa ser analisado à luz da revelação islâmica e da sunnah profética.

O Islam não é uma religião de paz ou guerra, esquerda ou direita, pois seu arcabouço moral contempla todos os tipos de situações.

Exemplos práticos de tolerância na história islâmica

Historicamente, esta religião tem demonstrado uma notável capacidade de inclusão e tolerância religiosa

Desde os primeiros califados, as sociedades islâmicas praticavam o "dhimmi", um sistema que garantia proteção legal aos "povos do livro", permitindo-lhes praticar suas religiões em troca de um tributo. 

Esse grau de tolerância religiosa era incomum em muitas partes do mundo durante a Idade Média, particularmente em várias regiões da Europa onde a intransigência religiosa frequentemente levava a perseguições.

Isso ajudou a conservar uma ampla variedade de religiões milenares como os ritos cristãos grego, armênio, sérvio, maronita assírio, etc.; os agrupamentos judaicos sefaradim, mizrahim, etc.; além de religiões como hinduísmo, yazidismo, masdeísmo, zoroastrismo, druzismo, alevismo, etc.

Alguns impérios e reinos islâmicos tinham mais não-muçulmanos do que muçulmanos em suas populações.

No que se refere aos direitos das mulheres, o Islam também foi pioneiro em muitas áreas. O Alcorão, o livro sagrado do Islam, concedeu às mulheres direitos de herança e divórcio muito antes desses direitos serem reconhecidos no Ocidente. 

Além disso, as mulheres muçulmanas tinham o direito de possuir propriedades e participar ativamente nos comércios e assuntos sociais — um contraste marcante com as restrições impostas às mulheres em muitas sociedades contemporâneas europeias.

Ao passo que, os colonizadores europeus foram responsáveis pela introdução de uma série de leis que, aos olhos dos próprios ocidentais, seriam considerados um grande retrocesso, como os crimes de honra, e a percepção da homossexualidade como algo mais grave do que era para as sociedades islâmicas.

Ainda que a sodomia e o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo fosse considerado um pecado pelo Islam, historicamente essas prescrições como uma orientação moral, pois na prática as leis não puniam ninguém que praticavam essas trasgressões, pois a própria lei estipula critérios muito difíceis para se punir alguém por homossexualidade.

Na tradição islâmica, é necessário quatro testemunhas oculares de uma relação sexual entre dois homens ou mulheres para isso resultar em punição, o que é praticamente impossível, a menos que isso seja feito em público.

Em termos políticos, o conceito de "shura", ou consulta, é central no Islam e reflete um proto-sistema democrático, e que ajudou a construir ideários democráticos na Malásia e na Indonésia, por exemplo.

A shura, que envolve consultar os membros da comunidade em decisões importantes, pode ser vista como um precursor da democracia participativa. 

Embora diferindo das democracias liberais modernas do Ocidente, as shuras enfatizam a importância da consulta e do consenso comunitário, elementos valorizados em muitas teorias políticas contemporâneas.

A principal diferença entre as noções ocidentais e islâmicas de liberdade reside na interpretação e na aplicação. 

Enquanto o Ocidente moderno, especialmente em sua forma capitalista, frequentemente prioriza as liberdades individuais no contexto de direitos civis e expressão pessoal.

O Islam tende a enquadrar a liberdade dentro de um contexto comunitário e religioso, focando no que beneficia o coletivo e mantém a harmonia social e religiosa.

Essas diferenças não implicam que o Islam seja avesso à liberdade, mas sim que sua abordagem à liberdade é baseada em uma perspectiva diferente, uma que valoriza a comunidade e a estabilidade ao invés da autonomia individual descontextualizada.

No entanto, mesmo com essas nuances, todos os muçulmanos são resumidos a um esteriótipo de agente secreto pronto para implantar uma tirania, onde quem não é muçulmano é degolado.

O barbarismo islâmico como justificativa para massacres

A imagem de um Islam bárbaro e radical tem sido frequentemente reforçada por representações ocidentais de grupos terroristas e conflitos políticos no Oriente Médio. 

Este processo de demonização serve como justificativa para diversas ações políticas e militares na região, mas é baseado em generalizações e distorções significativas.

Grupos Terroristas e a Estigmatização do Islam

A associação entre o Islam e o terrorismo foi amplamente difundida na mídia e na política ocidental, especialmente após eventos como os ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos. 

Grupos como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico são apresentados como representantes típicos do Islam, apesar de suas ideologias e ações serem repudiadas pela grande maioria dos muçulmanos ao redor do mundo. 

A imagem do muçulmano radical foi apregoada por polemicistas de pouca relevância acadêmica, como Bill Warner, Robert Spencer, Birgitte Gabriel, entre outros autores que se vendiam como autoridades sobre o Islam, mas que as obras são repletas de charlatanismo a fim de criar propagandas para que a opinião pública se voltasse contra os muçulmanos.

Essa representação simplista ignora a diversidade e a complexidade das sociedades muçulmanas e transforma a exceção em regra, reforçando preconceitos e medos.

A Revolução Iraniana e a Imagem do Xiita Radical

Essas narrativas possuem uma qualidade flagrantemente baixa, e à medida em que se desgastam devido a sua pouca credibilidade, elas precisam se renovar em torno de novas mentiras.

A mais típica, e talvez antiga, é a noção de que o xiismo é uma vertente mais radical do Islam, sendo que este termo não tem absolutamente nada a ver com o nível que um muçulmano adere à sua religião.

A Revolução Iraniana de 1979 também contribuiu significativamente para a construção da imagem do xiita como radical.

A imagem de mulheres com roupas ocidentais antes do Ayatollah Khomeini assumir o poder é, normalmente, utilizada para demonstrar que, entre outras coisas, que o Islam representa um retrocesso.

O Irã, no entanto, não era uma democracia, mas sim uma monarquia autoritária e implacável contra seus opositores, fator que gerou forte oposição de todos os campos da sociedade.

Os trajes ocidentais, bem como as minissaias que as mulheres vestiam, não surgiram do livre desejo das mulheres de "se libertarem da opressão religiosa", mas através de uma imposição do governo que proibia as mulheres de usarem o hijab

Tais tensões foram apenas algumas das que motivaram a revolução iraniana, que foi endossada por diversos espectros políticos da sociedade, pois a monarquia Pahlavi já havia se tornado insustentável.

A emergência de um governo teocrático xiita no Irã foi frequentemente retratada como um movimento de fanáticos antiocidentais, ignorando as complexidades internas e as motivações políticas, sociais e econômicas que catalisaram a revolução. 

A mídia ocidental muitas vezes amplifica os aspectos mais extremos e violentos, marginalizando vozes moderadas e pluralistas dentro do próprio xiismo.

O Talibã e a Percepção de Atraso

A exemplo do Irã, os países ocidentais todavia se importam pouco com a situação do Afeganistão ao longo da história.

O fato das mulheres terem perdido muitos direitos com o avanço do grupo Talibã causa ainda grande comoção em todo mundo, e frequentemente fotos de estudantes de minissaia em Kabul na década de 1970 são resgatadas para falar do retrocesso que o país vive.

O Afeganistão viveu uma guerra praticamente ininterrupta desde 1979. Após cerca de 40 anos de guerra, o país se tornou um dos mais pobres do mundo.

Todos os espectros políticos da sociedade afegã tiveram participação ativa no início da guerra civil, tanto conservadores quanto progressistas.

Isso porque o governo afegão era autoritário e apoiado pela União Soviética, e introduziu uma série de reformas progressistas na sociedade. Mas uma peça chave para o início da revolta no país, foi a prisão dos opositores.

Em 2006 ficou claro que o governo não apenas prendia opositores, como também os matava, como pode ser observado na descoberta de valas comuns na prisão de Pul-e-Charkhi, onde os dissidentes políticos ficavam detidos, em que havia cerca de 2 mil corpos.

A revolta conservadora, no entanto, cresceu de forma igualmente pouco artificial, patrocinado pelos EUA e seus aliados regionais como Arábia Saudita e Paquistão, além do apoio chinês, frequentemente esquecido em discussões sobre o assunto.

É o caso de dizermos que, foram as constantes intervenções para tornar o Afeganistão um país progressista e ocidentalizado que o colocou no ponto de maior atraso.

Embora tentam reduzir esse atraso a religiosidade do povo afegão, houve grupos religiosos com visões menos estritas que fizeram oposição ao Talibã, embora não tivessem conseguido derrotá-los.

Mesmo assim, desde a invasão americana em 2001, a situação é contrastada entre a antiga civilização supostamente avançada e a realidade atual, confessional e atrasada.

Tudo isso para barbarizar um povo inteiro e sua religião para justificar 20 anos de uma guerra brutal, que custou a vida de cerca de 174 mil pessoas, e atrasou o desenvolvimento econômico do Afeganistão ainda mais, aumentando ainda mais a condição de miséria.

Mas a narrativa de muçulmanos como selvagens é algo que nunca dá trégua, pois o imperialismo ocidental precisa constantemente impor sua hegemonia e buscar justificativa guerras e roubar riquezas dos países onde muçulmanos são maioria.

Hamas e o Conflito em Gaza

A invasão israelense em Gaza no último trimestre de 2023 evidenciou o estágio mais claro de como a campanha de desumanização dos muçulmanos funciona.

Israel ocupa os territórios palestinos desde 1948, com constantes violações contra as populações de Gaza e Cisjordânia.

Os palestinos, que não possuem exército para revidar a agressão, apelam para ataques armados quando é necessário.

A resposta foi um longo extermínio perpetrado pelos israelenses com cerca de 34 mil mortos até aqui.

Tudo isso se debruçando em narrativas falsas, como a de que o Hamas havia decapitado 40 bebês, o que foi desmentido por todos os órgãos de imprensa que cobriam a ofensiva em Gaza.

Além de outros relatos inconsistentes de estupros em massa, que foi denunciado por órgãos israelenses, mas que não ofereceu nenhuma prova conclusiva.

Todas as justificativas para o ataque são apoiadas pelas mentiras inventadas pelo governo israelense, somado ao fato de que o Hamas é um grupo religioso, o que os coloca naturalmente como uma ameaça ao mundo livre.

O Hamas é um partido político eleito por meio de eleições democráticas em 2006. Este fato é muitas vezes utilizados pelos sionistas que defendem punição coletiva ao povo de Gaza.

Mesmo assim, o Hamas não é considerado um grupo terrorista por diversos países ao redor do mundo e nem mesmo a ONU o consideram como tal.

É claro que as ações do Hamas, tanto as que foram praticadas no 7 de outubro quanto as que foram praticadas em outros períodos podem ser consideradas atividades criminosas de lesa-humanidade, que extrapolam qualquer direito à legítima defesa.

No entanto, é inegável que há a construção de um espantalho em torno deste grupo que é reforçado por um preconceito prévio que o ocidente construiu ao longo de décadas, como no caso do Irã e Afeganistão.

Isso se traduz em uma frase que foi dita por Joe Biden e repetida por várias outras pessoas ao longo do massacre: "Israel tem o direito de se defender".

O problema desta afirmação é que Israel é o ocupante, e os ocupantes são os agressores, jamais os agredidos.

Milhares de pessoas, principalmente muçulmanas, foram mortas de forma sistemática por esta propaganda que coloca o Islam como um inimigo da liberdade.

Isso foi reforçado nas invasões americanas do Iraque e Síria, é também utilizado por Israel na Palestina, por Myanmar contra os Rohingya e pela Índia na ocupação da Caxemira, e nas perseguições contra as populações islâmicas dentro do país.

Também é o embasamento usados como justificativa para terroristas cometerem massacres contra os muçulmanos, como os perpetrados em Christchurch, os ataques em Oslo cometido por Anders Behring Breivik, os motins de Gujrat, o massacre da mesquita Ibrahimi, entre vários outros.

Conclusão

A narrativa ocidental de confronto cultural entre um "Ocidente livre e democrático" e um "Oriente ditatorial e fanático" tem sido usada para justificar intervenções militares em países islâmicos, frequentemente resultando em catástrofes humanitárias. 

Estas intervenções são baseadas no argumento de defender as liberdades individuais, mas muitas vezes contraproduzem, violando a soberania e a integridade dos povos. 

A rica tapeçaria moral do Islam, pode ser interpretada de maneiras que alinham com ideais tanto progressistas quanto conservadores. 

Exemplos históricos de tolerância islâmica são contrastados com a estigmatização ocidental, que muitas vezes vê o Islam unicamente através do prisma de grupos extremistas.

 Finalmente, a estigmatização não apenas perpetua preconceitos, mas também apoia políticas externas que impõem hegemonia ocidental e justificam violências em nome de proteger liberdades, enquanto na realidade perpetuam injustiças, conflitos e roubo da riqueza alheia.

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